20 fevereiro, 2008

Parte 20: Brincadeira do Boi 2 - Segredos da Brincadeira

ver parte 19

A movimentação era grande. Irrequietos, em grupos, cochichavam sobre a Brincadeira do Boi.

A animação era geral entre os nativos da comunidade de Ganchos, que olhavam com desconfiança para os “estrangeiros”. Estes últimos vistos como “espias”, moralistas de plantão, muitos, pseudos ecologistas, comprometidos com os padrões de uma sociedade consumista em que os modismos indicados pela mídia, se tornavam cada vez mais, símbolo de suas lutas modernas.

Homens simples, conscientes da força de seus valores culturais os gancheiros resistiam firmemente às tentativas de eliminar sua cultura via decreto.

Agora, mais do que nunca, se fazia necessário mostrar que a farra-do-boi, era uma manifestação genuína, que a par da difamação a que se via exposta, devia continuar.

Assim estavam a pensar aqueles homens ao se movimentarem em direção ao local que seria solto o primeiro animal.

- Compadre Juvenal a que horas será solto o primeiro boi, dos três que adquirimos?

- Olha compadre João, quando o caminhão se aproximar, o Manoel vai dar o sinal soltando dois foguetes de três tiros. Se tudo estiver legal, 10 minutos depois vai soltar mais três foguetes, do local combinado. Ele disse que iria fazer assim, para evitar problemas com os xeretas.

- Seu Antônio, o povo que mora perto do Araçá, já foi avisado que será solto o boi naquela área?

- E precisa avisar?! Os nossos avos e bisavós, nesta época já soltavam bois, portanto todos estão carecas de saber.

Quanto "aos turistas metidos a bestas" que aprendam a conviver e entender a cultura dos moradores das comunidades onde veraneiam.
Eles precisam nos respeitar, e não dizer o que temos que fazer!

Pergunto-te quando eles visitaram a comunidade, fora da época de verão para perguntar o que poderiam fazer pelo nosso povo?

- Sabe compadre, tens razão. Quem não gostar da maneira como vivemos “a porta da rua é a serventia da casa”. Nós somos os filhos do lugar, aqui nascemos e vivemos, brincando com o boi, quando muitos destes "almofadinhas" nem tinham nascido!.

- Estourou os dois foguetes prometidos, falou Juvenal, completando, o caminhão já esta perto do local, vamos para lá.

A algazarra foi geral.
Homens sérios e responsáveis se transformaram em garotos alegres, dispostos a passarem descontraidamente às próximas horas, onde homens e animal se desafiavam e mostravam sua coragem.

Chegaram ao local previsto, simultaneamente ao caminhão, que começou a manobrar para descarregar sua preciosa carga.
Olhares atentos. Homens e animais se analisavam.
Era hora de correr e saltar por entre obstáculos.

O boi foi solto como de costume.
Os homens se espalharam por toda a área procurando o melhor lugar possível, que lhes permitisse “enticar” com o animal e fugir caso este enveredasse na sua direção.

O animal olhou atentamente para os presentes. Baixou a cabeça como se tivesse se dando por vencido. Depois, como percebendo a situação em que se encontrava, decidiu em seu orgulho bovino vender caro a afronta humana, iria enfrentar a aqueles que ousavam desafia-lo.
Que se preparassem para receber muitos sustos, quem sabe derrubaria alguns daqueles humanos irritantes.

Os homens que a princípio ficaram desolados pela forma pacata com o que boi se portou ao sair do caminhão, ficarão contentes ao perceberem o olhar de desafio do animal.
O aviso que correu entre os farristas foi “cuidado com este boi, ele olha de forma muito estranha, pode ser perigoso”.

O alarido geral, para irritar o animal foi à resposta à advertência feita pelos mais experientes.
Não havia mais retorno, homens e animal sabiam disso.

O animal repentinamente retesou-se e partiu aceleradamente em direção do grupo que o provocava a frente, levantando em sua carreira uma leve nuvem de poeira.
A correria foi geral.

A brincadeira havia começado.

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